Em
meio à verdadeira enxurrada de autobiografias de rock stars que estão sendo
publicadas, a do guitarrista Tony Iommi, do Black Sabbath, é uma das mais novas
a sair no Brasil.
Tal como o vocalista Ozzy
Osbourne, seu parceiro de Sabbath, havia feito em Eu
Sou Ozzy, ele conta sua trajetória
de vida e carreira musical nas 400 páginas de Iron
Man: Minha Jornada com o Black Sabbath.
Iommi é o cara de aspecto
soturno que faz a linha durão dentro do Black Sabbath. Bom de briga desde os
tempos em que tinha de enfrentar as gangues de Birmingham, sua cidade natal, na
adolescência, ele é aquele membro da banda que fica de "cara" (nem
sempre, é claro) enquanto os outros estão doidões, para manter as coisas sob
controle.
Se hoje faz parte do clube de
roqueiros respeitáveis, com a banda devidamente entronizada no Rock'n'Roll Hall
of Fame, Tony já passou por poucas e boas.
O título Iron Man (Homem de
Ferro) faz referência a um dos rocks mais famosos do Sabbath, mas certamente é
uma alusão ao fato de ele ter sobrevivido a muitas barras.
A mais famosa delas, a perda
das pontas de dois dedos da mão direita - a que ele, canhoto, usa para
pressionar as cordas no braço da guitarra - num acidente de fábrica quando
tinha 17 anos.
O braço e a mão direitos
seriam nos anos vindouros fontes de eternas dores, com problemas de túnel
carpal, rompimento de tendões, mordidas de rottweiler e a
desintegração da cartilagem na articulação do polegar. Assim, tocar para ele
sempre foi um processo doloroso.
Avó
brasileira
Para nós brasileiros, a
revelação mais bombástica do livro é que a avó paterna de Iommi, que ele não
conheceu, seria brasileira. "Acho que minha avó era do Brasil",
revela logo no primeiro capítulo. E fica só nisso.
A tradução da edição
brasileira, aliás, erra quando, após esta frase, o músico diz que seu pai
nasceu no Brasil. No original em inglês ele diz que o pai nasceu
"aqui", ou seja, na Inglaterra.
A sina pesada de Tony Iommi
começa já na infância, quando soube que o pai não queria que ele nascesse.
"Ele me menosprezava o tempo todo e depois minha mãe se juntava a
ele".
Por aí dá para concluir de
onde vem tanta amargura na música do Black Sabbath. O som soturno e inimitável
tirado da guitarra, aliás, é fruto da técnica que Iommi desenvolveu para
compensar o problema dos dedos, utilizando dedais que ele mesmo inventou.
Típico de males que vêm para o bem.
Bem dele, é claro, já que para
muitos o Black Sabbath é uma banda do demônio. A própria música que dá nome ao
grupo surgiu de um lance estranho. O riff sombrio de guitarra que Iommi criou
era, sem ele saber, baseado numa sequência de acordes que foi proibida na Idade
Média e era chamada de "intervalo do Diabo".
O marketing em cima do
satanismo e da magia negra que perpetuou a imagem da banda também a
estigmatizou, atraindo topo tipo de maluco e satanista, que achavam que aqueles
bigodudos de Birmingham levavam a sério a coisa.
Na verdade, segundo Iommi (e o
próprio Ozzy em sua autobiografia), eles tiveram este saque quando viram uma
fila enorme de gente para assistir a um filme de terror no cinema.
Escreve Ozzy em sua biografia:
"'Não é estranho como as pessoas pagam para sentir medo?', lembro de Tony
ter falado isso um dia. 'Talvez a gente devesse parar de fazer blues e começar
a escrever músicas de medo'".
Chega a ser risível levar a
sério a imagem satânica do Black Sabbath, quando o grupo quase se borrou - como
Iommi narra - quando foi assistir ao filme O Exorcista nos anos 1970.
A narrativa de Iommi está
longe de ter o humor quase pastelão da de Ozzy, mas é sincera e sem
ressentimentos. Nem é preciso dizer que toda a história é recheada de sexo,
drogas e rock'n'roll. E tragédia, como as mortes do baterista Cozy Powell
e de Ronnie James Dio.
O músico fala de todo o
processo da saída de Ozzy no final dos anos 70, quando o cantor vivia uma fase
quase letárgica. "Foi triste... a situação chegou a um ponto em que não
dava mais para nos relacionarmos... Eram tantas drogas circulando... Ao que
parece, Ozzy pensa que a iniciativa foi minha, mas apenas decidi em nome da banda..."
Não parou aí. Nas décadas
seguintes o Black Sabbath seria palco de um interminável entra-e-sai de
músicos, de voltas e reviravoltas de integrantes originais, e somente Iommi
permaneceu desde o início.
Houve o problema com Ronnie
James Dio, substituto de Ozzy, que teria mixado na surdina o álbum ao vivo Live
Evil. Já o ex-Deep Purple Glenn Hughes, então totalmente dodói de cocaína,
tinha de ser empurrado na tora para o palco, até Iommi não aguentar mais.
Houve também os casos de
vocalistas novos que inflaram o ego e também tiveram de receber as contas de
Mr. Iommi, como Ray Gillen e Tony Martin.
"Muita gente subestima o
quão durão você precisa ser quando lidera uma banda", escreve o
guitarrista. "Você sempre vira o escroto. As pessoas não entendem, não estão
lá e não veem tudo o que está acontecendo, o porquê de você acabar expulsando
alguém".
Câncer
Quando a biografia foi
publicada em 2011, Iommi ainda não havia sido diagnosticado com linfoma.
Mas, a julgar pelo capítulo final do livro, ele já parecia saber ou sentir
algo: "Só o que espero atualmente é, daqui a alguns anos, ainda estar
aqui. Gosto da vida que tenho agora, de verdade".
Em maio deste ano, divulgou
que os médicos lhe disseram que o câncer não poderia ser curado 100%, o que foi
outra barra para o Iron Man.
De qualquer forma as coisas
não poderiam estar melhores em 2013. Para começar, 13, o disco que lançou com
quase todo o Black Sabbath original (menos Bill Ward), chegou ao topo das
paradas.
E agora eles estão na estrada
novamente, uma estrada que em outubro trará Tony Iommi de volta à terra de sua
avó. Chance única de ver o Homem de Ferro mandando seus riffs infernais
em palcos brasileiros.